Os benefícios de trabalhar atividades com música com os estudantes

26 de fevereiro de 2020


Em 1797, durante um de seus ataques de fúria por ser interrompido durante o processo de composição, Ludwig van Beethoven percebeu que começava a ficar surdo. A partir daí, foi questão de tempo: ao longo de sua vida, um dos maiores compositores de todos os tempos perdia, pouco a pouco, a audição. Reza a lenda que, à ocasião da estreia de sua 9º Sinfonia, Ode à alegria, Beethoven, então regente, precisou ser alertado por um músico próximo para que se virasse para o público e recebesse a ovação – que não estava ouvindo. Biografia à parte, o que a história de Beethoven nos ensina sobre atividades com música em sala de aula 250 anos depois do seu nascimento?

Os efeitos da música no aprendizado

Presente na vida de todos nós, a música, seja do ponto de vista de quem toca ou de quem escuta, é uma linguagem universal. A partitura, código musical para qualquer instrumento, é a mesma em qualquer país, bem como a forma de executá-la. 

Além de seu caráter integrador, a música, seja orquestrada ou popular, proporciona muito mais sensações nos nossos cérebros do que podemos imaginar, sendo capaz de moldar nosso estado de espírito. É o que concluiu a pesquisa Expression, Perception, and Induction of Musical Emotions: A Review and a Questionnaire Study of Everyday Listening, desenvolvida no Departamento de Psicologia da Universidade de Uppsala, e publicada no Journal of New Music Research, em 2004. Nela, foi possível organizar grupos de acordes e as formas de serem executados (sua dinâmica) que, segundo os participantes do estudo, os faziam sentir raiva, tranquilidade, angústia, tristeza e outras emoções.

A música anima, cria empatia e emociona – mas, segundo a Revista Científica PNAS de maio de 2018, ela vai além: ouvir música possui influência direta na cognição humana, aprimorando a absorção, memorização e execução do nossos conhecimentos – daí a razão pela qual Beethoven conseguiu continuar compondo mesmo enquanto perdia a audição. E é exatamente por isso que é tão importante usar e abusar da música em sala de aula.

Para a realização do estudo, foi aplicado um teste musical em jovens de 18 a 27 anos. Nele, os participantes combinavam cores e direções, que resultaram em melodias mais ou menos agradáveis, de acordo com a combinação de acordes. Todo o processo foi acompanhado por sensores de atividade cerebral, que comprovaram que a música ativa a área do cérebro responsável por prazer e recompensa. Segundo Benjamin Gold, em entrevista ao site americano Medical News Today, “esta análise aumenta nossa compreensão de como estímulos abstratos como a música ativam os centros de prazer do cérebro, assim como recompensas concretas como dinheiro ou comida”.

Em outras palavras, foi possível concluir que o cérebro dos participantes desenvolveu a capacidade de identificar a lógica das combinações de cores e direções em pouco tempo para que melodias agradáveis fossem executadas. Isto é, a cognição para identificar um raciocínio lógico foi ativada de maneira mais eficaz do que o normal. 

Atividades com música – como aplicar a teoria na prática?

Agora que você sabe como a música pode ativar tanto a cognição quanto áreas emocionais do cérebro, é hora de colocar a teoria na prática e desenvolver atividades com música com sua turma.

A intenção não é formar, na escola regular, estudantes músicos. A BNCC diz que o aprendizado do estudante do Ensino Médio deve “contemplar (…) estudos e práticas de (…) artes visuais, da dança, da música e do teatro”.

Assim, é justo afirmar que existem diversas formas de assegurar o estudo e a prática de música em sala de aula. À vista disso, porque não unir o útil ao agradável e aplicar o tema em diversas matérias? Confira abaixo algumas sugestões!

Reforço matemático

A base da música é a Matemática. Logo, nada mais interessante do que usar melodias para reforçar a compreensão de frações, principalmente as mais elaboradas. Para isso, os estudantes não precisam ter, necessariamente, conhecimentos musicais além do conceito de compasso. Basta o professor assegurar que eles compreendam que toda música, da sinfonia ao forró, se enquadra em algum modelo de compasso, que é expresso por meio de frações: 2/4, 3/4, 4/4, etc. Por exemplo: sabe o “um, dois, três” que cantarolamos quando tentamos valsar? É exatamente esse o compasso da valsa, 3/4. 

É possível, então, fazer o exercício auditivo de identificar sob quais frações uma seleção de músicas foi criada, divertindo a turma e estimulando o raciocínio matemático. Para ajudar nessa tarefa, o professor ainda pode usar aplicativos de metrônomos, que contam os compassos para verificar se as conclusões da sala foram corretas ou não. Se você quiser se aventurar ainda mais, pode pedir para que a turma tente descobrir quantas notas os instrumentos ou o cantor fazem em cada compasso – o que, na teoria, nos dá uma fração da fração, aprofundando ainda mais o raciocínio lógico.

Contextos socioculturais

A música, como diversas linguagens artísticas, reflete a época em que foi composta – assim como a literatura. Dessa forma, existe, por exemplo, uma “música renascentista”, uma “música moderna”, uma “música clássica”, e assim por diante. Assim, unir o estudo da literatura aos movimentos musicais se torna um complemento enriquecedor. 

Durante as aulas de literatura romântica, por exemplo, mais do que apresentar obras literárias da época, é muito válido aproveitar-se, também, de composições de músicos contemporâneos ao movimento, pedindo aos estudantes que identifiquem semelhanças entre os temas literários românticos e as emoções provocadas pela música do mesmo período.

Outro exemplo seria o modernismo brasileiro, durante a década de 1920. Ao lado do antropofagismo de Oswald de Andrade, na literatura, e de Tarsila do Amaral, nas artes plásticas, temos Heitor Villa-Lobos unindo as matrizes indígena, portuguesa e africana nos Choros nº6 e nº10. É na mesma década, também, que o samba se consolida nos morros do Rio de Janeiro, fruto de um desenrolar social de anos a fio, remontando à abolição da escravidão e o sentimento de tristeza e desolação dessa população que se viu abandonada por todos os setores sociais.

Dessa forma, é possível explorar de modo profundo diversas mudanças culturais e sociais por meio do que era composto e ouvido durante os contextos históricos que são estudados em História e Sociologia.

Concentração e desempenho

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com o Instituto ABCD, e divulgada no periódico PLos One em maio de 2013, avaliou que o desempenho e a concentração de crianças que eram expostas pelo menos três vezes por semana à música são significativamente elevados, facilitando a memorização e compreensão de novos conteúdos.

Por mais que cause certa estranheza inicial, por que não experimentar uma música suave em momentos que seus estudantes precisam de atenção? Em provas e outras atividades, que normalmente causam nervosismo à turma, uma boa dose de tranquilidade é bem vinda, tanto para os estudantes quanto para o professor.

Diferente de outras linguagens artísticas, a música se consolidou, ao longo dos anos, como uma atividade elitizada – a despeito de todos os benefícios que vimos até agora. É momento, então, de deixar o medo e o preconceito de lado e se aventurar no mundo das sinfonias, do rock, do samba, do funk (porquê não?!), da MPB e vários outros estilos, aproveitando ao máximo o mundo de possibilidades que eles oferecem. Aproveite!

Fontes:

https://escribo.com/2015/07/28/5-motivos-para-inserir-musica-nas-escolas/

http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#medio

https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2019/02/16/solta-o-som-estudo-mostra-como-a-musica-estimula-o-aprendizado-no-cerebro.htm

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-beethoven-biografia-compositor.phtml

https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/0929821042000317813

https://www.bn.gov.br/producao-intelectual/documentos/educacao-musical-antes-depois-villa-lobos

https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0059984

https://www.pnas.org/content/116/24/12103