O trabalho do respeito às diferenças na sala de aula

24 de fevereiro de 2020


O inciso IV do artigo 3º da Lei de Diretrizes Básicas da Educação, a LDB (Lei nº 9.394/1996) garante o “respeito à liberdade e apreço à tolerância” como princípios fundamentais a serem seguidos em qualquer instituição de ensino. Quando pensamos na realidade do Ensino Médio, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reforça o respeito às diferenças ao citar como finalidade dessa etapa de ensino o combate a “estereótipos, discriminações de qualquer natureza e violações de direitos de pessoas ou grupos sociais, favorecendo o convívio com a diferença (…), tendo em vista a construção de uma sociedade mais justa, ética, democrática, inclusiva, sustentável e solidária”.

Apesar disso,  trabalhar o respeito às diferenças na escola ainda pode representar desafios para alguns professores. A escolha da abordagem é essencial para assegurar que os estudantes receberão e absorverão temas relacionados à tolerância e empatia de maneira natural e leve. E, para acertar na metodologia, vale a pena considerar alguns pontos fundamentais.

A importância do respeito às diferenças

Antes de escolher como abordar o respeito às diferenças na sala de aula, é preciso compreender a necessidade urgente de tal ação, traçando um propósito mútuo entre professor e estudante.

Foi buscando munir os profissionais da educação com tal consciência, que a professora Irene Sales, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Franca, realizou uma pesquisa que cruza opiniões sobre racismo na sociedade e nas salas de aula e que, apesar de ter sido realizada em 2002, segue atual. Segundo a pesquisadora, 83% dos 200 entrevistados disseram não ter presenciado situações de discriminação e racismo nas escolas. Ainda assim, 100% reconheceu que a prática ainda existe na sociedade brasileira. 

A pesquisa conclui, então, partindo do princípio da escola como reflexo da sociedade, que situações que envolvam preconceito racial, social, de gênero e muitos outros, são velados no ambiente escolar, o que desencadeia uma série de consequências negativas principalmente para os educandos. “A discriminação afeta a autoestima do estudante. Isso se reflete no aprendizado e é uma das causas da evasão [escolar]”, analisa Ana Maria de Niemeyer, professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas. Não é à toa que muitos professores de escola pública, segundo a Revista Nova Escola, relatam o preocupante “clareamento” das salas de aula, uma vez que a presença de estudantes negros cai ao longo dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e durante o  Ensino Médio.

Adote uma postura horizontal

A pesquisa da professora Irene é um exemplo prático, que oferece bases sólidas que comprovam a necessidade urgente de se abordar temas relacionados à discriminação nas escolas e que podem, inclusive, serem apresentados para os estudantes. Optar por essa estratégia – de dividir as próprias pesquisas e conhecimento com a turma – é adotar uma postura horizontal com os jovens, o que faz toda a diferença na hora de trabalhar temas sociais delicados.

Por “postura horizontal”, espera-se que o professor nivele os estudantes a si. Assim, a exposição do tema se torna muito mais informativa. Isso é importante para assegurar que o estudante não se evada do tema. Aproximações estritamente expositivas, sem espaço para fala, tendem a ser mais reativas. 

O caminho, então, não é necessariamente abordar o respeito às diferenças como uma “obrigação escolar”, e o estudante que não cumprir será punido, mas sim como uma necessidade social para a construção de uma comunidade, escolar ou não, mais justa e igualitária, fazendo a turma perceber a importância do combate ao preconceito a partir do ponto de vista de quem sofre com ele, trabalhando e desenvolvendo a empatia.

Dê local de fala

Adotar uma postura horizontal pressupõe dar protagonismo e local de fala para o estudante. Essa abordagem é extremamente importante para que a turma consiga enxergar a escola como um ambiente de apoio, debate e de compartilhamento. Isso porque, para criar uma sociedade mais justa e igualitária, é preciso ouvir as partes envolvidas no situação que se deseja resolver. Considere, por exemplo, que uma turma apresente casos recorrentes de racismo, sobretudo com mulheres. Não se pode esperar, então, que a situação seja resolvida apenas de modo reativo por um professor homem e branco, por exemplo. Ouvir a opinião dos jovens e deixá-los debater sobre a gravidade da situação é essencial para que se supere esse obstáculo.

É importante, entretanto, em meio a debates e conversas, deixar claro que apesar de não atingir todos os estudantes da turma, o respeito às diferenças na sala de aula é pauta para todos. É preciso fazer nascer, no pensamento crítico dos jovens, que a luta por igualdade não deve ser abordada só por quem sofre com a falta dela: a união por causas sociais é a base da prosperidade social.

Debata exemplos clássicos e busque o pensamento crítico

Uma vez assegurado que você e sua turma já estabeleceram uma relação estável e de confiança, e que todos já tenham assumido certo protagonismo e local de fala, é hora de desenvolver o pensamento crítico dos estudantes.

É recomendável, então, trazer exemplos reais e atuais para o debate em sala de aula – de preferência, abordando temas do próprio componente curricular.

Em aulas de Sociologia no Ensino Médio, por exemplo, é possível suscitar o debate sobre o tema das cotas raciais em universidades públicas. A atividade, que se originaria dentro da sala de aula, pode ser expandida para rodas de conversas que abranjam outras turmas e a própria comunidade escolar, a fim de se criar uma rede de apoio sobre a luta por igualdade. Já em aulas de História, o próprio conteúdo curricular sobre colonização da América pode ser o plano de fundo para diversos tipos de intolerância e seus efeitos nefastos na comunidade indígena. O mesmo tema pode se expandir para aulas de Geografia, Sociologia e Filosofia, sendo abordado as recentes notícias sobre a luta pela preservação do território dos povos nativos.

A ficção também ajuda a trabalhar o tema em sala de aula – a exibição de filmes e rodas de leituras de livros com a temática de respeito às diferenças também se mostram exemplos práticos e extremamente eficientes. É o caso, por exemplo, de Olhar de frente, escrito por Tânia Alexandre Martinelli e publicado pela Editora do Brasil. Numa linguagem sensível e impactante, a narrativa conta as histórias do estudante Beto, do senhor cego e rabugento Vladimir e do catador de material reciclável Sebastião. Com essas três gerações, Tânia traz para o jovem o exemplo da superação de desafios e do respeito às diferenças.

Os temas a serem trabalhados, debatidos e desenvolvidos dentro das disciplinas gerais são de escolha do professor. Vale ressaltar que é função dele, enquanto docente, se manter atualizado, seja na ficção ou na realidade, para que essas escolhas sejam sempre pertinentes ao perfil dos estudantes e da comunidade na qual a escola está inserida. Assim, assegura-se tanto que a BNCC seja cumprida com êxito, quanto se colabora para um ambiente mais saudável, crítico e igualitário.

Fontes:

https://novaescola.org.br/conteudo/294/respeitar-diferencas

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

http://basenacionalcomum.mec.gov.br/

https://escoladainteligencia.com.br/entenda-a-importancia-do-respeito-a-diversidade-no-ambiente-escolar/