O que aprender com a poesia moderna de Manuel Bandeira

29 de outubro de 2019


Talvez Manuel Bandeira não tenha imaginado a força que faria “Vou-me embora pra Pasárgada” ultrapassar gerações e atingir o patamar de provérbio. Empregamos essa frase não apenas para nos referir à poesia moderna bandeiriana em questão, mas também para assinalar que estamos cansados, que querermos desistir de tudo. Mas o que teria a obra de Bandeira de tão marcante para alcançar esse raríssimo grau de perpetuação e atemporalidade?

Neste Dia Nacional do Livro, que divide o mês com a data em que recordamos os 51 anos da morte de Manuel Bandeira, a Editora do Brasil propõe para você uma viagem pelo imaginário de um dos maiores poetas brasileiros, que guarda em sua temática simples um preciosismo ímpar, trazendo reflexões pertinentes até os dias de hoje, quase 100 anos após o ápice de sua carreira.

Do parnasianismo à poesia moderna

Manuel Bandeira passeou, em sua obra, entre a poesia moderna e parnasiana: o convívio com a tuberculose desde os 17 anos, doença até então incurável, fez o poeta lidar com a iminência da morte à qualquer momento, circunstância que foi refletida em sua produção na forma de versos pessimistas, soturnos e até mesmo mórbidos – como em Epígrafe, primeiro dos 50 poemas de sua primeira coletânea, A cinza das horas (1917): 

Sou bem-nascido. Menino, 

Fui, como os demais, feliz. 

Depois, veio o mau destino 

E fez de mim o que quis. 

(…) 

E dessas horas ardentes 

Ficou esta cinza fria. 

– Esta pouca cinza fria…

Contrariando as expectativas, Manuel Bandeira viveu por mais de oito décadas, encontrando, ao longo da carreira, a libertação da obsessão pela morte por meio da poesia moderna. Surgem, então, versos livres, muitas vezes afiados, que traduzem em primeira pessoa as angústias do eu lírico sem as amarras das convenções parnasianas, claros em Poética, marco de seu rompimento com o passado:

Estou farto do lirismo comedido

Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais

Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção

Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

(…)

-Não quero saber do lirismo que não é  libertação

O auge de sua veia modernista recai em Sapos, poema recitado na Semana de Arte Moderna de 1922 por Ronald de Carvalho, que satiriza o movimento parnasiano e se torna símbolo de resistência moderna. Ainda assim, Bandeira nunca abandonou por completo sua raiz parnasiana: é aí que se eleva como um dos principais expoentes poéticos brasileiro.

O dom do diálogo

A poesia moderna é, de certa forma, comparada incessantemente com outros movimentos poéticos, recebendo a fama de ser “difícil de ler”, “abstrata” e outras características que Bandeira faz questão de ir na contramão ao adotar linguagens e temas cotidianos, banais e simples: “Manuel Bandeira é um poeta muito sedutor por causa desse truque de falar mais perto do leitor”, comenta Sérgio Alcides, professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre os temas corriqueiros que deixam a poesia “fácil” de ser lida. “É uma linguagem que não é opressiva para quem lê, inclusive para quem não é assíduo da poesia.” 

Segundo o professor, Bandeira “veste” sua poesia moderna com roupagens parnasianas, idílicas, o que traz certa espontaneidade aos versos. Essa característica, entretanto, “esconde um trabalho de arte muito intenso”, comenta. Talvez seja por isso mesmo que Manuel Bandeira ainda encanta leitores que nem se dão conta do caráter modernista de seus poemas. Vou-me embora pra Pasárgada, por exemplo, pode se passar facilmente como um poema bucólico, onde o eu lírico comenta sobre as maravilhas de um país distante, envolto em melancolia:

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

(…)

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d’água

Pra me contar histórias

que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada.

Mas, os versos livres, as estrofes assimétricas e outros elementos, mostram que estamos frente a frente com uma das mais autênticas poesias modernas brasileiras que diz respeito a nada mais do que o simples, o dia a dia, o anseio de um senhor doente – como o próprio Bandeira comenta em Itinerário de Pasárgada: “Vou-me embora pra Pasárgada foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias […] Num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”.

Essa talvez seja a maior lição de Manuel Bandeira, tanto para a literatura brasileira quanto para cada indivíduo em particular: a busca por um meio termo. A força lírica, rechaçada pelos modernistas, era encontrada nos poemas de Bandeira, que possuíam forma extremamente moderna – e tal equilíbrio o coloca em evidência ainda quase um século depois. 

Às portas de 2022 e, com o ano, a celebração de 100 anos da Semana de Arte Moderna, faz-se necessário, então, relembrar tal ideal de Bandeira e buscar essa lição de agregação de opostos em prol da criação de algo maior. Em tempos de polarização, é preciso nos atentarmos para o meio do caminho, na busca por ponderação e bom senso, partindo da educação brasileira em busca de uma sociedade mais justa e equilibrada.

Fonte:

https://revistagalileu.globo.com/Vestibular-e-Enem/noticia/2019/10/manuel-bandeira-conheca-vida-e-obra-do-autor-brasileiro.html

https://www.uai.com.br/app/noticia/artes-e-livros/2019/04/09/noticias-artes-e-livros,244152/sergio-alcides-explica-por-que-e-facil-gostar-de-manuel-bandeira.shtml