Metodologia de ensino: use o debate em sala de aula a seu favor

8 de outubro de 2019


A pesquisa O efeito econômico do Facebook, realizada pela Universidade A&M, do Texas, e divulgada em fevereiro deste ano, entre diversos outros aspectos, mensurou o impacto positivo da abstenção de redes sociais nas pessoas. Depois de uma semana sem o Facebook, por exemplo, os pesquisadores registraram que 17% dos participantes disseram sentir menos os sintomas de depressão e ansiedade. Mas, você deve estar se perguntando, o que dados como estes nos ensinam sobre debates em sala de aula como metodologia de ensino?

Polarização de ideias – um risco à formação do jovem

Enquanto educadores, devemos nos atentar não apenas ao conteúdo que iremos  apresentar aos alunos, mas também às particularidades e demais características dos estudantes. Entender o jovem faz com que a abordagem em sala de aula se torne mais positiva. E é inegável que os alunos, cada vez mais cedo, utilizam as redes sociais no dia a dia – como o Facebook, Instagram e Youtube. 

Com mais de 2 bilhões de pessoas inscritas, o Facebook, segundo a mesma pesquisa, foi indicado como um dos principais fatores de polarização de opiniões. E isso funciona de maneira muito simples: quanto mais você acessar determinado tipo de conteúdo, mais os algoritmos da rede social te mostrarão conteúdos similares. 

Isso contribui consideravelmente para o fenômeno que chamamos de polarização: o uso indiscriminado de redes sociais faz com que os jovens passem a viver em “bolhas”, que repercutem o eco de suas próprias opiniões, cultivando uma geração que, aos poucos, torna-se cada vez mais resistente e intolerante ao pensamento alheio. De fato, a pesquisa da Universidade A&M registrou baixas consideráveis na polarização de opinião política de indivíduos que se abstiveram do Facebook por uma semana.

É justamente a polarização de opiniões que conecta a pesquisa americana ao debate escolar como metodologia de ensino. A função do professor, além de garantir o ensino teórico de componentes curriculares específicos, também recai sobre a formação crítica e pessoal do aluno. E estimular a diversidade de opiniões é a melhor arma para ir na contramão do senso comum.

Qual a importância do debate em sala de aula?

Usar o debate escolar como metodologia de ensino é uma das melhores estratégias que o professor pode dispor para alinhar conteúdos pedagógicos lado a lado com a formação integral do aluno. O debate tem regras a serem seguidas que implicam necessariamente na escuta da opinião oposta, no respeito mútuo e na construção de um consenso. 

As discussões em sala de aula podem acontecer de várias formas, a depender do objetivo final do professor. Para a introdução de um conteúdo pedagógico, por exemplo, o debate pode se dar de maneira mais tradicional, com o docente conduzindo a conversa e a turma se organizando para falar cada um de uma vez. Por exemplo: se o tema de uma aula de Ensino Médio for infecções sexualmente transmissíveis, o professor pode iniciar o assunto pedindo para que os alunos comentem o que sabem sobre, o que pensam sobre as políticas de conscientização, e que compartilhem, caso queiram, experiências e opiniões sobre o assunto. Quanto mais alunos participam, mais estimulados se sentem os outros colegas de classe.

Quando o assunto for mais abrangente, o professor pode optar por outros formatos – como simulações de assembleias, júris, convenções e afins. Essa estratégia é muito válida para temas sociais. Por exemplo: temas como a demarcação de terras indígenas podem ser debatidos na forma de um júri, em que uma parte da sala representa a opinião favorável e outra, uma opinião contrária e, por fim, o professor (ou outro grupo da turma de alunos) representa o juiz, que deve sintetizar as ideias de maneira justa, ouvindo igualmente os dois lados. 

E os benefícios do debate escolar?

Independente do modelo de debate escolhido pelo professor, é preciso ter em mente que ele deverá conduzir, ou pelo menos acompanhar todas as etapas do debate, assegurando que os alunos estarão, de fato, desenvolvendo a capacidade de ouvir o outro e digerir a informação contrária de maneira saudável e construtiva. 

De maneira geral, esse é apenas um dos benefícios de se usar debates como metodologia de ensino. Outros dois benefícios são:

1. Organização e pensamento crítico

A escola deve ser um ambiente que o aluno não apenas decore fórmulas, regras e conteúdos, mas que também desenvolva seu pensamento crítico. Para isso, ele deve aprender a ser capaz de fazer uma autorreflexão do próprio ponto de vista, analisando sua realidade particular à realidade coletiva, ouvindo opiniões e entendendo como é possível criar uma conclusão C depois de unir o pensamento A (opinião própria) com o pensamento B (opinião dos outros).

O debate é uma boa forma de incentivar e de conquistar essa habilidade. Além dos benefícios sociais, o pensamento crítico que as discussões em sala de aula propiciam também influenciam positivamente na autoestima e até mesmo no desempenho acadêmico do aluno.

2. Desenvolvimento da oratória 

Ler e escrever é um dos principais objetivos dos primeiros anos de ensino. Mas isso não basta para a formação do aluno enquanto indivíduo. É preciso desenvolver a oratória, a capacidade de articular pensamentos e de se expressar.

Assim, ao estimular tal metodologia de ensino, o aluno começa a compreender que não basta ter uma determinada opinião e simplesmente forçá-la goela abaixo das outras pessoas. É preciso fazer o outro entender, ouvindo e explicando da melhor maneira possível. Assim, o jovem consegue organizar seus pensamentos, estruturar seu argumento e pensar exatamente em como vai expor sua opinião. Isso, por si só, ajuda-o a desenvolver a capacidade de se comunicar oralmente com maior fluidez e respeito.

Um exemplo prático

Quem nunca se perguntou se Capitu traiu ou não Bentinho? Até mesmo para quem não leu Dom Casmurro, essa questão é um eterno mistério e, por isso mesmo, um dos debates preferidos dos professores de literatura. Com este tema, é possível realizar o “modelo júri” de debate – e nós mostramos para você uma possibilidade de condução em sala de aula:

1. Preparação

Primeiro, peça para que seus alunos leiam Dom Casmurro. Eles já devem ter em mente que será realizado um debate no qual será discutido a fidelidade de Capitu, então a leitura deve ser voltada para desvendar esse mistério. Você pode os engajar, dando um tom de mistério à questão, lendo trechos específicos e aguçando a curiosidade da turma. As estratégias podem ser as mais diversas, desde que todos estejam empenhados a compreenderem sobre o assunto que será debatido, independente de qual for.

2. A organização da sala

Como a sugestão é um júri, então você como professor deve organizar a sala, no dia do debate, em três grupos: acusação, defesa e jurados. O papel de juiz recai sobre o professor, que organiza o debate.

3. O júri

Inicia-se, então, o “júri”. Ambos os grupos devem apresentar argumentos convincentes e bem estruturados sobre a fidelidade ou não de Capitu, tentando convencer os jurados de seus pontos de vista. É preciso entender que, apesar de um dos grupo ser a “acusação”, isso não significa que serão agressivos. A ideia, aqui, é justamente fazer o aluno organizar as ideias em sua mente, estruturar argumentos, provas (passagens do livro) e outros elementos que farão o júri tomar sua decisão.

4. A decisão

Tão importante quanto expressar suas opiniões, é saber ouvir e chegar a uma conclusão justa e sensata. Esse é o papel dos jurados. Quando o professor finalizar o debate, cabe a esse grupo de alunos debaterem entre eles quais as opiniões mais convincentes e anunciarem um veredito, que pode acatar a acusação, a defesa ou nenhum dos dois, “indeferindo o júri”.

Independente do resultado desse debate (e de todos os outros), é interessante que o professor estimule que os próprios alunos analisem a experiência, exercitando a autorreflexão – o debate deu certo? Há algo que pode ser melhorado? 

Por fim, é importante que, apesar de muitas vezes o debate finalizar com um consenso, isso não significa que as outras opiniões estavam equivocadas. A intenção é justamente estimular o pensamento crítico, e mudar de opinião a partir de um debate é saudável, o que ajuda a criar uma turma mais receptiva ao diferente, aberta e plural – facilitando o trabalho do professor e contribuindo para construção do aluno.

Fontes:

ElPaís

Portabilis

Unimonte