Livros de Ciências da Natureza: é preciso mudar os paradigmas de 40 anos atrás

3 de dezembro de 2019


Assim como em qualquer disciplina, os livros de Ciências retratam e criam uma linha de raciocínio com base no momento atual. É tempo, então, de considerarmos uma autocrítica minuciosa na forma com a qual abordamos os conteúdos da matéria, uma vez que passamos, em escala global, por mudanças profundas: já  somos mais de 7,6 bilhões de pessoas no planeta, todos com necessidades de alimentação, abrigo e vestimentas. Essas necessidades têm nos levado a ocupar cada vez mais espaço na Terra, estendendo nosso alcance a reservas e áreas selvagens em busca de recursos naturais, expulsando inúmeras espécies de seus habitats e causando a extinção de tantas outras.

Temos modificado a natureza para que atenda às nossas necessidades materiais sem nos dar conta de que toda essa interferência começa a impedir que o ambiente atenda nossas necessidades de sobrevivência com itens essenciais como água potável, ar puro, polinizadores, peixes nos oceanos, solo fértil, clima previsível…

A necessidade de mudança dos livros de Ciências

Há 40 anos os livros de Ciências para o Ensino Fundamental tratavam a natureza e os animais como “recursos naturais” que estavam ali para servir ao ser humano. Que o “homem”, como se dizia na época, dispunha desses recursos para o seu desenvolvimento.

Aprendemos a lição e exploramos tudo com voracidade. O resultado é que:

  • vislumbramos uma perigosa crise de escassez de água potável em um futuro próximo;
  • a poluição do ar provoca crises respiratórias na população mundial em números alarmantes;
  • as abelhas estão sumindo (o que afeta a produção de alimentos);
  • a quantidade de plástico nos oceanos deverá em breve ultrapassar a de peixes;
  • o solo está sendo contaminado com quantidades massivas de agrotóxicos devido ao plantio de monoculturas destinadas a alimentar o gado para abate;
  • as mudanças climáticas já provocam tragédias e deslocamentos em massa de pessoas sem alternativas.

Essa situação que nós mesmos criamos tem como consequência uma enorme desigualdade social que gera insegurança, violência, medo, ameaças, preconceitos e conflitos.

Precisamos mesmo viver assim?

Coleção Didática Aprendendo a Conviver: novas perspectivas

Talvez há 40 anos não tivéssemos a ideia da finitude dos nossos recursos naturais, nem de onde nossa voracidade poderia nos levar, mas agora essa finitude é evidente e já sabemos para onde estamos indo. Se quisermos desviar a tempo em busca de uma rota mais promissora, não podemos continuar ensinando as mesmas coisas da mesma maneira.

A Coleção Aprendendo a Conviver, para os Anos Finais do Ensino Fundamental, foi escrita com a intenção de promover o respeito pela natureza, pelos animais e entre as pessoas. Os livros de Ciências promovem a reflexão constante sobre nossas escolhas e nossos atos, percebendo que eles podem ter consequências que muitas vezes não prevíamos e essas consequências podem se voltar contra nós.

Para alcançar esse objetivo traçamos o seguinte plano: paralelamente ao ensino do conteúdo de Ciências da Natureza determinado pela BNCC, com o propósito de desenvolver habilidades e competências, trabalhamos várias seções que visam despertar no aluno o olhar e a consciência para as necessidades do outro e para a preservação do ambiente.

Observe os seguintes exemplos:

  • Quando iniciamos o estudo de Astronomia no 6º ano, mostramos a importância da inclusão plena de pessoas com deficiência física na sociedade, trazendo como exemplo a astrônoma Wanda Díaz-Merced que, apesar de cega, fez um trabalho reconhecido internacionalmente nessa área, ou ainda o legado deixado por aquele que é considerado o maior gênio da atualidade, Stephen Hawking (falecido em 2018).
  • Quando estudamos calor, temperatura e sensação térmica no 7º ano, procuramos refletir com os estudantes sobre os direitos dos animais e levá-los a pensar no sofrimento que um urso polar enfrenta ao ser retirado de seu habitat para ser exibido em um zoológico nos trópicos, submetido a uma sensação térmica superior a 40 °C, ou uma girafa cujo organismo é adaptado para viver nas savanas africanas, ter que viver em um zoológico na Dinamarca, onde a temperatura média anual é de 9 °C.
  • Quando estudamos a reprodução de plantas e animais no 8º ano, mostramos a sociedade das abelhas e a forma degradante como elas vem sendo tratadas pelos humanos há muito tempo, expondo-as ao uso intensivo de pesticidas e a uma alimentação deficiente. Agora começamos a colher as consequências dos nossos atos. Com um número reduzido de abelhas, uma imensa quantidade de plantas pode deixar de se reproduzir e corremos o risco de restringir nossa alimentação a espécies polinizadas pelo vento.
  • No 9º ano, quando mostramos como funcionam as transmissões via rádio em um telefone celular, não perdemos a oportunidade de discutir a nomofobia (do inglês, “no mobile phobia”, ou medo de ficar sem o celular), um transtorno de comportamento que tem atingido alguns de nossos jovens que chegam ao ponto de valorizar mais as relações virtuais do que as reais.

É claro que trabalhar ou não todas as seções disponíveis nos livros de Ciências da Coleção didática é uma decisão do professor que depende do tempo disponível e das necessidades e interesses específicos de cada região ou de cada turma de alunos.

De qualquer forma, uma vez disponibilizadas no livro, são informações as quais os alunos terão fácil acesso e sempre poderão ser estimulados pelo docente a ler e a discutir os temas que elas tratam com seus colegas, para ampliar seus horizontes e senso crítico.

Aliás, discussões e debates são amplamente valorizados na Coleção Aprendendo a Conviver, porque acreditamos que o adolescente em fase de crescimento e em busca de uma identidade tem grande necessidade de expor suas ideias, de falar, de ser ouvido e de ouvir seus colegas, ainda que muitos tenham ideias opostas sobre determinado assunto.

O exercício de manter a mente aberta para refletir sobre novas ideias e principalmente de aprender a respeitar e a conviver bem com aqueles que pensam de modo diferente é de um valor imensurável.

Nesse sentido, também procuramos estimular nos livros de Ciências os trabalhos em grupo e a colaboração mútua entre os alunos em detrimento da competição.

Com uma população tão grande no planeta, tendo que enfrentar a falta de recursos naturais básicos e remediar os danos causados no passado, apenas uma sociedade tolerante e colaborativa poderá evitar as situações de caos e de conflitos que nos espreitam.