Dia Internacional Contra a Discriminação Racial: dicas para uma aula sobre racismo

21 de março de 2020


21 de março é conhecido no mundo todo como o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. A data marca diversas lutas e conquistas do movimento negro por igualdade de direitos, e merece ser lembrada e difundida em sala de aula. Mas, se seu estudante perguntasse, você saberia dizer por quê essa data é tão importante?

Quando falamos em discriminação racial, é preciso mais do que difundir informações. É preciso compreender as raízes mais profundas desse problema social, destrinchar seu histórico e desenvolver o pensamento crítico-social dos estudantes para nos assegurarmos de que as histórias não se repitam. E é justamente pelo histórico desta data que devemos começar.

Dia Internacional Contra a Discriminação Racial: do Massacre de Sharpeville à realidade no Brasil

O Dia Internacional da Luta Contra a Discriminação Racial foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), e marca a ocasião em que, pela primeira vez, a mídia mundial voltou os olhos para o regime separatista do Apartheid, na África do Sul, com criticidade. O evento que desencadeou tal reação, entretanto, não é feliz.

No dia 21 de março de 1960, o Congresso Pan Africano reuniu 20 mil manifestantes no bairro de Shaperville, em Joanesburgo, na África do Sul, a fim de contestar a Lei do Passe, que obrigava cidadãos negros a carregarem consigo um cartão no qual era anotado os lugares em que ele tinha permissão de estar.

A manifestação, ainda que pacífica, foi controlada com rajadas de tiros, que feriram mais de 180 e mataram 69 pessoas. Nove anos depois, em 1969, a ONU decretou o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial como forma de relembrarmos as vítimas fatais do massacre de Shaperville, mortas por nenhum outro motivo além da cor de suas peles.

Da década de 1970 até os dias de hoje, diversos marcos da luta contra o racismo se apropriam do dia 21 de março devido seu significado. No Brasil, lembramos das conquistas do Movimento Negro: é nessa data que se criminaliza o ato do racismo, que se relembra a morte de Zumbi dos Palmares e a adoção de políticas públicas para o ingresso de  jovens negros nas universidades públicas do país.

Mais do que datas: debatendo sobre a discriminação racial

É importante saber um pouco da história e de diversas conquistas que rondam o 21 de março, e apresentá-las aos estudantes. Isso, entretanto, não basta – visto que a discriminação ainda é uma lamentável prática internalizada na sociedade brasileira.

Para uma boa aula sobre racismo nas escolas, mais do que expor do problema, é preciso, primeiramente, compreender o caráter sistemático da prática e entender o lugar de cada um dentro desse sistema. 

Um professor branco, por exemplo, não pode esperar “solucionar a discriminação racial” dentro de sua sala de aula. Entender que só a pessoa negra sabe o que é sofrer racismo é o segundo passo essencial para abordar esse tema tão complicado com os estudantes. Dessa forma, é altamente recomendável que o docente coloque todos em “pé de igualdade” – ele e a turma – a fim de criar um debate justo, igualitário, onde todos tenham voz – principalmente alunos negros e/ou que já tenham vivido situações de exclusão, sendo o professor responsável apenas por conduzir o debate. Ainda que o combate à discriminação racial seja essencial – e o professor pode fazer esse apelo aos estudantes – entender o local de fala também é tão importante quanto.

Essa estratégia de colocar todos no mesmo barco, compartilhando ideias e analisando a sociedade atual é essencial para a criação do pensamento crítico dos estudantes. É só com esse olhar analítico que o jovem conseguirá compreender como o racismo se transforma e se perpetua no Brasil até os dias de hoje. Assim, espera-se que todos, incluindo o professor, aprendam a discernir atitudes, frases e posicionamentos preconceituosos que passam despercebidos no dia a dia, conseguindo enxergar o racismo velado.

As três faces do racismo

É fato: o racismo ainda existe, velado e estruturado, na sociedade. Segundo uma pesquisa do Instituto Nossa São Paulo realizado em 2019, 70% dos paulistanos acreditam que a discriminação racial aumentou na última década. Quando são analisadas as respostas apenas de pessoas negras, o índice chega a 77%. Ainda no mesmo ano, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que 4 em cada 10 estudantes negros não concluem o Ensino Médio. 

Esses dados são fatos estatisticamente comprovados e, a partir deles, pode-se esperar que, após o debate em sala de aula sobre racismo, a turma chegue à conclusão de que a prática se faz presente em três frentes principais: o preconceito, a discriminação e a exclusão (homicídio e epistemicídio). Talvez a turma possa não se dar conta dessas terminologias mesmo que tenham chegado a consensos que se enquadrem neles:

Preconceito

A face do preconceito prega justamente a supremacia branca como um povo superior.

Discriminação

A face da discriminação racial engloba aspectos geográficos, político e conceitual. É, grosso modo, o preconceito no dia a dia, que resulta em ações discriminatórias, como acreditar que pessoas negras andando à noite são perigosas e diversos outros preconceitos infundados.

Exclusão

A última e mais letal face do racismo abrange a exclusão definitiva do negro da sociedade. Uma vez consolidado o preconceito e a discriminação, abre-se a porta para crimes e violência física. Aí, entram o homicídio (segundo o Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Fórum Brasileiro de Segurança, 75% das mortes por assassinatos em 2019 foram de pessoas negras), e o epistemicídio, configurado como a falta de conhecimento sistêmica de um povo ou nação (um quarto das escolas públicas do país não aborda a cultura africana ou ações de combate ao racismo, segundo o Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

Apresentar essas denominações para a turma após o debate é essencial para que os próprios estudantes consigam se enxergar dentro dessas faces. Dar nomes aos problemas ajuda a criar estratégias para combatê-los – e existem algumas abordagens que você pode seguir em sala de aula para conscientizar os jovens.

Sugestões de abordagens 

Redes de apoio e coletivos negros

Grande parte das escolas incentivam a atuação do grêmio escolar. E os fundamentos para tanto são completamente justificáveis: o senso de democracia, de respeito, de hierarquia e de atuação social são apenas algumas frentes que a existência do grêmio pode contribuir com a formação cidadã do estudante.

Por que não, então, incentivar um coletivo negro?

A prática, muito comum em universidades públicas, é perfeitamente adaptável para o Ensino Médio, por exemplo. Por esse coletivo, é possível que toda a escola ouça o que os estudantes negros têm a dizer no que tange às ações dentro do ambiente escolar. O coletivo cria um senso de união e coletividade entre os alunos negros, importante para dar voz aos mesmos.

Identificar ações de exclusão e corrigi-las

O quanto você, como professor ou professora, sabe sobre a cultura africana? Ou sobre as manifestações de religiões afro-brasileiras, como a Umbanda? Se a resposta não for satisfatória, talvez o seu processo de ensino tenha falhado justamente no que tange à representatividade do povo negro, o que nos leva ao epistemicídio.

É muito importante que os professores, apoiados pela gestão escolar e em parceria com a voz dos alunos, incluam em suas aulas temas voltados à manifestação cultural e histórica do povo negro. Compreender a história da África, o passado de escravidão na América, bem como os diversos movimentos negros ao redor do mundo é essencial para desenvolver o pensamento crítico e identificar pontos de racismo velado que sobrevivem até os dias atuais. 

A partir dessa visibilidade, invariavelmente entramos na terceira abordagem essencial para uma boa aula sobre racismo nas escolas, apresentada a seguir.

Compreender o racismo velado em expressões do dia a dia

“Dia de branco”, “da cor do pecado”, “inveja branca”, “mulato”. Essas e diversas outras expressões estão incrustadas no vocabulário popular, até mesmo como elogio,  sem que ao menos no demos conta do quão preconceituosas elas são.

Muitas delas surgem no Brasil ainda nos tempos de escravidão, seja com o criado que deveria permanecer estático e mudo (alguns até mesmo com a língua cortada) ao lado das camas dos senhores brancos para segurar objetos durante a madrugada (surgindo, assim, o “criado-mudo”), ou a associação da cor da pele com um pecado de cunho sexual (“da cor do pecado”) ou a insinuação de que apenas os brancos trabalham (“dia de branco”). 

Estudar a história afro-brasileira é imprescindível para que possamos escavar a origem de tais expressões, as eliminando do nosso dia a dia. É possível, inclusive, sugerir que os estudantes realizem uma pesquisa profunda sobre esses termos e criem um glossário do que é potencialmente ofensivo ou que façam analogias à discriminação racial. Apenas conhecendo a história é que podemos assegurar que ela não se repita no presente ou no futuro.

Difundir os conhecimentos

O papel social da escola não termina na formação do aluno enquanto cidadão. A união entre a instituição de ensino e a comunidade à qual ela está inserida é muito bem-vinda para que as mudanças sociais sejam muito mais efetivas e bem sucedidas. 

É por isso que todo o trabalho sugerido até agora ainda pode (e deve) ser compartilhado com a sociedade. Assim, a criação de mostras culturais ou outros eventos que difundem tais conhecimentos e pensamentos adquiridos em sala de aula é importante para propagar ações de conscientização para mais pessoas. Assim, os pais podem, por exemplo, também ter contato com o glossário de termos evitáveis; os coletivos negros podem criar oficinas e redes de apoio para outros jovens  fora da escola; a cultura afro-brasileira pode ser apresentada por meio de danças, peças, corais, e muitas outras manifestações artísticas.

Quanto maior a evidência do assunto na escola, mais se pode fazer para que todo o conhecimento rompa os muros e transformem verdadeiramente o ambiente em que vivemos. Assim, espera-se criar uma escola e um ambiente social muito mais inclusivo, justo e igualitário.

Fontes:

https://www.almapreta.com/editorias/realidade/qual-e-a-importancia-do-dia-internacional-contra-a-discriminacao-racial

https://www.youtube.com/watch?v=EeBCZtsiwS8

https://www.youtube.com/watch?v=KBHuYgFn96c

https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,75-das-vitimas-de-homicidio-no-pais-sao-negras-aponta-atlas-da-violencia,70002856665

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/09/4-em-cada-10-jovens-negros-nao-terminaram-o-ensino-medio.shtml

https://g1.globo.com/educacao/noticia/um-quarto-das-escolas-publicas-nao-aborda-o-racismo-em-atividades-extras-na-sala-de-aula.ghtml

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2019-11/para-maioria-dos-paulistanos-racismo-aumentou-na-ultima-decada

PNLD 2020